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PARA QUARENTÕES

AVATAR

 

Valéria Velasquez Martins

 

Mulher de 50 anos, divorciada, com dois filhos já crescidos e independentes. Já tem experiências com alguns relacionamentos sérios após o casamento, que durou 17 anos, mas sua meta de vida agora é a diversão sem compromisso, como forma de compensar os anos vazios de seu casamento.

 

DIÁRIO DE CAMPO
 

O que os quarentões, que não passaram suas juventudes conectados tão intimamente à internet como os jovens de hoje, buscam (e como agem) nos sites de relacionamento? Essa pergunta serviu de ponto de partida para a minha entrada no site Broto Bacana, voltado exclusivamente para esse público. E a jornada começou. E agora, quem eu seria? Logo pensei numa mulher bem-resolvida, decidida e de personalidade forte, que buscasse na internet a flexibilidade (e felicidade) afetiva que não encontrou, pelo menos em primeira instância, na vida fora rede. A escolha do nome seguiu os mesmo critérios: Valéria é a graça da minha nova identidade.

 

Perambulando pelo Orkut (sim, ainda existe Orkut), entrei em algumas comunidades dos “quarentões” e logo cliquei nos perfis de seus moderadores. Imaginei: devem ser os quarentões-mor. Assim, encontraria os rostos mais indicados para dar vida (mesmo que virtual) à minha personagem. Valéria é morena, de cabelos ondulados, longos e com um volume que parafraseia a força de sua personalidade. O sorriso, amplamente largo, daqueles que só de olhar, já te faz imaginar aquela risada boa, relaxada, imponente. Posso dizer que Valéria é uma típica coroa “inteiraça”, que arranca assobios até dos mais novos. Estava tão imbuída do papel que encarnaria que não me lembro sequer o nome daquela que me “cedeu” seu rosto. Depois do perfil no Broto, fiz uma conta no Messenger, afinal, não poderia abrir espaço para desconfiança caso alguém quisesse uma conversa fora do site.

 

E a jornada começou mesmo, sem chance de voltar atrás. Passeando pelos perfis masculinos no site, sem me tocar que um mundo transcorria à minha volta, não foram raros os olhares alheios curiosos, que deviam se perguntar “Que diabos essa garota faz em site de paquera de coroa?” E pensava eu, com meus botões: “quero paquerar em paz”, totalmente encarnada por minha personagem virtual.

 

 

Gringo quer teclar

 

Abrir o e-mail de Valéria tornou-se uma ação quase automática, tal como a de abrir, diariamente, a minha caixa de e-mails. Pouco depois de finalizar meu cadastro no Broto Bacana, eis que recebo uma mensagem tão estranha quanto animadora (sim, queria encontrar logo meus pretendentes, ou melhor, meus objetos de estudo). Um perfil sem foto, marcado como feminino, sem idade revelada, um endereço de e-mail esquisito e um nome que mais parecia um codinome. Envergonhado por se considerar o único que nunca havia se casado dentre a maioria dos usuários do site (vê-se um grande número de separados e divorciados), Dion, que na verdade era Stanley, enviou-me por e-mail uma mensagem confusa. O texto estava escrito em português, mas com erros típicos dos que não dominam o idioma: “Eu acredito que a idade, distância, raça e cor não importam, sim o que mais importa no relacionamento é a compreensão que existe entre as duas partes. Eu quero encontrar uma mulher que é, cuidar, compreender, honesto, sincero, isso de uma maneira especial eu gostaria de comunicação com você assim como para nós a conhecemos bem”.

 

Quem seria o estrangeiro misterioso? Como uma boa caçadora de pretendentes, retornei o e-mail concordando em conhecê-lo melhor e falando sobre mim (condição dada por ele para que me enviasse uma foto). Mantive minha personagem inicial: divorciada à procura de relacionamentos, mas avessa aos compromissos. Acho que assustei o gringo. Como imaginava e pude comprovar observando diversos perfis no site, a maioria dos usuários busca relacionamentos sérios, novos amores, a famosa “alma gêmea” que o casamento não pôde trazer – a maioria mulheres. O caso de Stanley parecia ser uma exceção. Solteiro e sem a experiência do casamento, parecia buscar, desesperadamente, a companheira ideal. Ele não retornou mais meus e-mails. É, Valéria, primeiro toco na rede.

 

 

A contadora e o economista

 

 

Sobre o rosto redondo, um par de óculos de lentes quadradas, barba rala. A pele de um moreno bronzeado poderia até fazê-lo passar por carioca, mas era um paulista de 46 anos apaixonado por praia, Tony. “Oi, tudo bem com você?”, primeiro contato. Em seu perfil, uma característica me chamou a atenção: o interesse em relacionamentos casuais. Enfim alguém para o time dos descompromissados do qual Valéria fazia parte. Além disso, constava também a solteirice em vez da separação ou do divórcio, e nada de filhos. O papo começou tradicionalmente: trabalho, gostos pessoais, hobbies. Confesso que na parte do trabalho fiquei receosa: ele economista, eu, teoricamente, contadora. E se surgisse um assunto das áreas afins? Já estava preparando o google para eventuais pesquisas rápidas, mas não era no meu trabalho que ele estava interessado. Comecei pela praia, falando das minhas corridas matinais pela Urca. Se pudesse ver Tony, tenho certeza de que ele estaria suspirando de inveja, mas daquela boa - ele realmente adorava praia. Ele seguiu falando de seus gostos: barzinhos, restaurantes e shows de mpb. Para sair um pouco do assunto quadrado, comecei a falar dos meus filhos e assim saber mais da família dele também. Mas ele fugiu do assunto família: “vivo muito tranquilo sozinho”, esquivou-se. Pensei: é a hora de investir. Comecei cogitando hipóteses: será que as pessoas que estão nesse site realmente saem de suas tocas para conhecer quem está do outro lado da tela, tal como a tão falada geração Y? Ou eles preferem ficar no mundo virtual sendo o que gostariam de ser na vida real? Fui direta e o objetiva: “você encontraria pessoalmente com uma pessoa que conheceu na internet?” A resposta demorou alguns minutos. Como imaginava, o jeito de Valéria assustaria um pouco os homens do Broto Bacana. Como quem quer desconversar, disse que entrou no site “só pra ver como é que era” e que para marcar um encontro era preciso ter muita certeza do que estava fazendo. Insisti perguntando se ele procurava um amor de verdade ou apenas diversão na rede. Achar um amor não parecia estar nos seus planos, mas quando falei em encontro e em sexo, ele realmente se assustou. Tony acaba de ficar off-line, dizia a janela do messenger.

 

 

Semblante forte

 

O recado veio de um paulista residente em Alagoas, magro, grisalho, espírita, consultor financeiro. Procura: relacionamento sério, casamento. Valéria, como dois pólos do mesmo ímã, atraía os românticos com seu sorriso e os dispersava com sua rejeição ao compromisso. “Mais um que vai se assustar”, pensei. E estava certa. Só não imaginei que pudesse ser objeto de análises espirituais e sentimentais.

 

No primeiro recado, Maurício elogiava meu semblante forte. Bem, a impressão eu intencionava passar, passei. Desta vez, o pretendente adorava falar sobre trabalho. Das inúmeras viagens que fazia pelo Brasil resolvendo isto e aquilo, indo nesta ou naquela empresa. A impressão transmitida era a do homem de meia idade bem-resolvido, de sucesso profissional. Divorciado há cinco anos, o trabalho parecia o preencher, assim como a religião. Depois do assunto trabalho, Maurício começou a me perguntar o que eu procurava naquele site, o que era amor para mim, como eu me sentia naquele momento. Me senti em consulta a um psicanalista. Direta como sempre, falei dos “meus” 17 anos de casada, do amor pelos filhos, da vontade de me divertir sem me prender a compromissos. Ele disparou a dizer que essa minha busca por liberdade se explicava por uma carência negativa, por um vazio espiritual, que eu precisava de novos vínculos afetivos, que a falta do amor próprio me impedia de ter amor por “outrem”. “O amor está no pólen do seu coração, e se acenderá com o beija-flor que o Universo irá lhe presentear, mas você tem que querer.”, arrematou o filósofo. Sim, eu ri na hora. E não soube o que dizer. Ficamos de conversar daí a alguns dias, pois ele teria que viajar a São Paulo para resolver umas “burocracias” – coisas de homens de negócios, rs. Mas ele não voltou. Talvez estivesse em algum lugar orando pelo meu espírito vazio e carente.

 

 

“Você existe mesmo?”

 

Enfim apareceu um quarentão com cara de galã, pegador, tiozão e mais adjetivos da ordem dos paqueradores profissionais de meia-idade que se possa empregar. Pensei: agora encontrei alguém que vai compactuar com o lema de Valéria: diversão sem compromisso. O paulista Beto de 49 anos, moreno e musculoso, mecânico que trabalhava em eventos de rally, esbanjava posses nas fotos de seu álbum: uma pose num grande carro, outra numa moto, uma até sobre uma lancha. Se os bens eram dele, difícil acreditar. Mas parecia lhe dar status o suficiente.

 

O primeiro recado se desmanchava em elogios quanto à beleza de Valéria, perguntando se podíamos conversar melhor. Dei meu endereço de msn, como de práxis. Depois disso, fiquei dias seguidos sem acessar e quando voltei ao Broto, um recado: “Te adicionei no msn, mas não obtive resposta. Você existe mesmo?” Me senti autuada em flagrante! Corri ao msn para adicioná-lo e inventei uma desculpa qualquer. O gancho para a primeira conversa foram duas costelas quebradas de Beto. Estava em casa de repouso depois de um acidente de moto. Papo vai, papo vem, ele comentou que este ano viria ao Rio de Janeiro visitar seus tios e logo disparei que podíamos sair para conversar, beber, comer alguma coisa. Atirei Valéria aos braços de Beto como nunca me atirei aos braços de nenhum homem na vida real, assim, tão rápido. Perguntei quando vinha, onde se hospedaria, o que gostaria de fazer aqui na cidade maravilhosa. E o suposto garanhão desconversou, disse que não tinha tanta certeza assim da data e que quando soubesse, me avisaria. Sem vê-lo no msn durante alguns dias, fui procurá-lo no Broto para mandar um recadinho de saudades, rs. “Usuário não encontrado”, dizia o site. Como assim? Perguntei-me. Voltando ao Messenger, vi a ultima frase de seu status: “A dor maior está no peito, ainda não esqueci você”. O garanhão era, na verdade, um apaixonado que, em vão, tentou badalar pelas redes sociais. Separado, ainda amava a mulher. Pena que Valéria descobriu tão tarde. Assustado com a “garanhona”, saiu do Broto.

 

 

O político

 

Com tantos sumiços e desencontros, cheguei a pensar em mudar de abordagem, ser uma quarentona meiga em busca de um grande amor, de um casamento feliz, blá, blá, blá. Mas estaria negando minha personagem inicial. Afinal, meu objetivo era justamente ver como os “mais maduros” encaravam uma mulher decidida, objetiva, sem medo de paquerar e dizer que não quer compromisso. Todos saíram correndo, sem chance para uma aventura.

 

Já estava desistindo de mais uma paquera quando um tal de Márcio me adicionou, com um primeiro recado nada original: “você é muito linda”. Quando vi que era carioca, me empolguei. Afinal, poderia entrar na minha pilha do encontro casual sem compromisso por estar mais perto. Começamos a conversar pelo msn e, logo de cara, percebi que tinha que ser mais cautelosa. Qualquer aparente mentirinha seria desmascarada, já que ele era carioca e demonstrava conhecer bem o Rio. Citou até um restaurante da Urca, perto da “casa” de Valéria. Funcionário público, filiado a um partido político que não quis dizer qual era, falou bastante de seu trabalho na prefeitura do Rio de Janeiro. Insistia em ver mais fotos minhas e, esquivando, eu alegava problemas no msn – eu só tinha uma foto!

 

Não esperei muito para perguntar o que ele fazia no Broto Bacana sendo casado. Respondeu que entrou a pedido de uns amigos, mas que não tinha nenhuma intenção. Apesar disso, continuava a enfatizar o quanto eu era bonita. Foi apenas uma conversa. Depois de já ser mais de meia noite, prometeu ficar on line no dia seguinte para conversarmos mais. Não deu nem tempo de eu convidá-lo para um encontro casual. Marcio não apareceu mais no msn.

 

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