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ALGORÍTIMOS DO AMOR

AVATAR

 

Cris | from rio de janeiro, Brazil
 

Occupation:

journalist and universitary teacher

Age:

48

Height:

5' 5"

Wants Kids:

Maybe

Kids at Home:

Yes

Ethnicity:

Hispanic or Latino

Religion:

Christian

Drinks:

About once a week

Smokes:

Never

DIÁRIO DE CAMPO
 

 

Mensagem para você

 

Ao contrário da grande maioria das pessoas, não entrei pela primeira vez neste curiosíssimo universo dos dating sites em busca de um par e, sim, de um objeto.  E isso não é uma desculpa esfarrapada. Era então uma jovem senhora de 30 e poucos anos, casada e mãe de uma criança pequena. Mas, ao longo dos dez anos em que acompanhei o crescimento do número de sites de paquera e seu processo de segmentação, essa (nem sempre) confortável situação mudou. Quando me separei, tive de redescobrir na marra os prazeres e angústias da vida de solteira. E talvez assim tenha entendido melhor a solidão de quem renova a esperança de encontrar “aquela pessoa” ao abrir a caixa de mensagens do seu computador num domingo de noite. Ter alguém que se importa com você, mesmo que seja um desconhecido do outro lado do mundo, é algo que vicia.

 

Tudo começou quando eu dava o curso de Técnica de Reportagem, Entrevista e Pesquisa (famoso TREP, que já rendeu muitos trocadilhos) na Uerj, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como professora substituta de jornalismo. Eu queria que meus alunos fizessem uma reportagem na rua. Eles, que já trabalhavam o dia inteiro em seus empregos e estágios, e faziam a duras penas a faculdade de noite, só pediram uma coisa: que as entrevistas fossem pela internet. Havia muitas vantagens como flexibilidade de horários e entrevistados disponíveis a qualquer momento. O ano era 2000, o Orkut estava começando, mas já era pauta batida na imprensa diária. Facebook e Twitter estavam para nascer. Daí alguém sugeriu os sites de paquera, pauta imediatamente aprovada por toda a turma.

 

Logo percebi que havia algo ali. Era um universo fascinante e totalmente novo para quem tinha passado a juventude ao lado do telefone fixo à espera de uma determinada ligação, que aprendeu datilografia em máquinas de escrever portáteis, que já era adulta quando viu o primeiro computador pessoal e que já tinha tido até filhos quando se comunicou pela primeira vez por meio da internet.
 
Como era ser jovem sem e-mail, Facebook, SMS, Skype, celular? Nesta pré-história, as pessoas se conheciam pessoalmente ou passavam a vida sem saber da existência uma da outra. As paqueras se davam na praia, nos bares, nos colégios, nas festas e boates. A ideia de conversar com alguém do outro lado do mundo sem nunca ter tido o menor contato físico, e até mesmo se apaixonar, casar e mudar de país, parecia coisa de ficção científica para um dinossauro como eu.

 

 

Bom, curiosa com as histórias dos alunos, eu me tornei a Cris 7778 (será que já existiam sete mim setecentos e setenta e sete Cris tentando a sorte antes de mim?) no site Par Perfeito, líder absoluto no site de relacionamentos no Brasil. Posteriormente, o site seria incorporado aos grupos Match.com e Meetic, líderes mundiais no ramo. Foi minha primeira infiltração neste universo.

 

Classificados amorosos

 

Não que trocar mensagens com estranhos algo fosse completamente novo na história da humanidade. Por volta de 1980  a. C (antes o computador pessoal se disseminar), uma amiga minha resolveu testar aquelas seções de cartas que as revistas femininas traziam, e que provavelmente estão na origem dos sites de paquera. Elas traziam anúncios de pessoas buscando companhia. Minha amiga era loura de olhos azuis, isso é verdade, mas não exatamente uma princesa de contos de fada. Fez uma propaganda à beira da enganosa, e conheceu vários pretendentes.

 

Ela criou um método: durante uma semana, tomou café da manhã com um, almoçou com outro, lanchou com outro e jantou com outro. No final, três quilos extras e o veredicto: a cada 10 “entrevistados,” pelo menos dois eram bem razoáveis. Desconfio que o namorado que a levou para morar com ele poucos meses depois tenha a ver com essa experiência.

 

Não foram poucas as pessoas que conheceram seus maridos assim no passado, embora bem mais raras do que hoje. A escritora portuguesa Albertina Bessa-Luís foi uma que usou os classificados. Nascida em 1922, usou seus dotes literários que ainda lhe renderiam um Prêmio Camões para redigir um anúncio procurando um marido. Não qualquer marido. Desencantada com os rapazes do seu meio, sem ambições culturais, Albertina colocou um anúncio no jornal O Primeiro de Janeiro, em busca de um correspondente “inteligente e culto”. Respondeu-lhe Alberto Luís, estudante de Direito na Universidade de Coimbra. Um ano depois, casaram-se no Porto, onde a noiva vivia. A família ainda guarda centenas de cartas escritas ao longo deste ano de namoro. Daria um romance. A neta já está escrevendo.

 

E lá estava eu tentando criar, sem tanto talento, um classificado de mim mesma.  Por sorte, o site oferecia dicas preciosas para não tomar chá de cadeira, como ainda se dizia antigamente. Em resumo, era fundamental capricho e tenacidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Então, tomei coragem, fechei os olhos e me inscrevi. E passei para a página seguinte, onde recebi as boas-vindas do maior site de relacionamentos do país. Pelo visto, uma porcentagem enorme de brasileiros já tinha se cadastrado antes de mim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fácil assim? Que nada. Ainda era preciso criar o meu perfil.  Mas o que dizer de mim? Falar que eu era uma senhora casada que estava apenas dando uma olhadinha sem compromisso? Que eu era apenas uma jornalista curiosa entrando num universo do qual desconhecia todas as regras e que me foi apresentado por meus jovens alunos? Que tipo de pergunta o site me faria para compor meu personagem? Bem, vamos a elas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Complicaaado. Eu hesitei, confesso, mais por preguiça de pensar do que qualquer outra coisa.  Para que me dar a tanto trabalho se eu já tinha marido? Mas recebi e-mails do site me cobrando um passo à frente. “Olá, Cris. Preencha o seu perfil agora!” Um tanto imperativo para o meu gosto, mas acho que o ponto de exclamação era mais para animar mesmo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ok, sim senhor. É pra já! Mas aí surgiu outro problema. Com ou sem foto, uma terrível questão. Nesta experiência, não cheguei a botar um retrato meu. Deus me livre! Enquanto eu pensava, recebi um e-mail do site advertindo: “A maioria dos nossos usuários, quando opta por fazer uma busca no Par Perfeito, escolhe listar pessoas que tenham fotos publicadas em seus perfis. A foto facilita o processo de identificação, desperta a curiosidade e destaca o seu perfil dos demais”. Tinha até dicas sobre como escolher uma foto. 

 

"As fotos extras permitem que você se mostre entre amigos,em momentos de lazer. Você também pode publicar fotos de corpo inteiro, se preferir. Aproveite para publicar a sua foto e aumentar em até 10 vezes as suas chances de ser contactado por outros usuários.Então, o que está esperando? O seu par perfeito pode estar a um clique! "

 

Verdades e mentiras

 

 

Ainda na época em que me deparei pela primeira vez com o universo dos sites de paquera, pensei em transformar em livro as fantásticas histórias trazidas pelos alunos. Ou partir delas para criar um romance. A protagonista tinha até um nome, Alice, uma professora bem mais velha do que eu e bem mais descrente. O oposto de mim.

 

 

Ou seria uma prévia da pessoa que eu me tornaria 10 anos depois, quando retomei o projeto? O tipo de cético para quem o tal par perfeito ou alma gêmea, também conhecida como a pessoa certa, não passa de uma versão adulta do mito do Papai Noel. Uma invenção que só serve para deixar frustrada a imensa maioria da população mundial que nunca vai ganhar seu prometido presente.

 

 

Romântica ou não, minha protagonista nasceu como uma metáfora. A busca das pessoas por sua alma gêmea na internet, ampliando seu universo de possibilidades ao se abrir ao mundo virtual, tem um paralelo com a mudança de posição do

leitor com as mídias digitais. Interativo, ele não aceita mais ficar esperando que as histórias se desenrolem passivamente

à sua volta e decide buscar ele mesmo participar de novas redes, estabelecer novos relacionamentos. E com isso construir novas histórias.

 

 

Ou Alice seria apenas um disfarce?

 

 

Decidir entre fazer literatura ou reportagem tinha várias implicações. Eu deveria me esconder atrás de um personagem ou me expor totalmente? Mesmo se me assumisse como a jornalista que sempre fui e não como a romancista que sempre quis ser, eu seria uma narradora confiável? Até que ponto estaria disposta a contar toda a verdade sobre flertes e envolvimento com ilustres desconhecidos?

 

 

Cheguei a fazer alguns esboços, mas esbarrei numa impossibilidade de ordem prática. Como narrar de uma forma minimamente realística histórias que se passam no mundo virtual sem fazer uso de sua própria estrutura narrativa, que ultrapassa em muito as limitações da palavra escrita e se completa com o uso da imagens e de hiperlinks? De certa forma, tudo o que eu pudesse escrever parecia inferior em relação ao que eu e meus alunos víamos e experimentávamos. Era esta experiência de navegar por todos estes sites, observar as características de cada um, acompanhar o processo de aproximação entre pessoas que não se conhecem, que eu gostaria de passar para o leitor, numa espécie de literatura, ou reportagem, de imersão.

 

Foi na porta do elevador, numa conversa absolutamente informal com minha orientadora, por volta de 2010, que este projeto voltou à tona. Eu começava a tatear uma pesquisa sobre novas estratégias narrativas em meios digitais, que viria a ser a base de meu trabalho de pós-doutorado no Pacc (Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ). Comentei, como quem não quer nada, com Heloisa Buarque de Hollanda, que há anos queria escrever uma história, mas não sabia como. E que, agora percebia, a questão é que não havia como! Uma história como esta, passada exclusivamente no universo virtual, precisava de novas ferramentas narrativas. Tão fascinada quanto eu pelas possibilidades expressivas abertas pelas novas tecnologias, minha orientadora vaticionou: “Então é isso, está resolvido”.  

 

Experiências com seres humanos

 

 

Então é isso. Vamos, lá.  À maneira dos etnógrafos, entrar em campo, fazer nossa entrée (no meu caso uma reentrée) neste mundo à parte, o universo dos sites voltados para pessoas que usam a internet para encontrar seu par perfeito. Jornalistas têm uma piadinha, uma inside joke: quando vão a uma casa de swing, por exemplo, dizem que não foram por desejo próprio. Mas que estavam fazendo um “estudo antropológico”.

 

 

Neste sentido, posso dizer também que fiz um “estudo antropológico”. Não me embrenhei novamente em sites de paquera por interesse pessoal (já tinha um namorado bem real), mas por considerá-los um objeto válido como qualquer outro. Talvez ajude saber que minha dissertação de mestrado foi sobre telenovelas (o amor, sempre o amor) e a relação entre romantismo e consumismo. Sob este aspecto, sites de paquera podem ser objetos culturais valiosos por revelarem como a sociedade contemporânea experimenta a ancestral busca por um par e afeto.  

 

Um perfeito objeto de netnografia, ou etnografia da net, também conhecida como etnografia on-line, webnografia, digital etnografia e ciberantropologia, neologismos que dizem respeito a uma pesquisa realizada por um observador participante, que faz seu trabalho de campo on-line. Um tipo de etnografia que considera as comunidades formadas no universo virtual tão fascinantes quanto os índios da Amazônia ou os habitantes da Papua Nova Guiné.  Mais:  WORD | PDF

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