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PARA MAIS VELHOS

AVATAR

 

Sobre mim: Sou bonita, alegre, gosto e passear, viajar

 

Estou a procura de uma pessoa:  Para me acompanhar

 

Interesses(s): Namoro casual, Namoro sério

 

Dados gerais:

-apelido: Marli F Soares

- idade: 63 anos

- Eu sou: Mulher

- Sexulidade: Heterosexul

- Estado civil: Divorciado

- Filhos: Sem filhos

 

- Escolaridade: Superior completo

- Profissão: Educação/Ensino/Idiomas

- Religião: Católica

- Humor: Amigável

- Signo: Libra

DIÁRIO DE CAMPO
 

Era final de março quando estava decidido qual seria meu tema para essa aventura dentro dos sites de paquera. Meu namorado não estava muito feliz com a ideia de ver a namorada imersa nesses sites, procurando um relacionamento diferente. “Mas amor, é só de mentirinha”, usei esse argumento algumas dezenas de vezes, mas a cara de insatisfeito permanecia a mesma. “Posso fazer sobre lésbicas, você sabe que eu sou hétero”, nem mexer com a libido masculina pareceu fazer ele ceder. “Idosos é um bom tema”, pensei. A ideia surtiu efeito, ele não conseguiu esconder a risada: “É sério que você vai fazer um bando de velhinhos sofrer? Sua desalmada”. Pronto, de um jeito ou de outro ele estava conquistado e eu não tinha mais empecilhos para não seguir em frente.

 

Ledo engano. Depois do tema fechado eu teria que encarar o maior desafio que teria pela frente nesse projeto: lidar com meus próprios limites morais. Comecei o trabalho me aprofundando em discussões com pessoas da faixa etária dos 60 aos 75. Conversei com minhas tias avós e tios avôs, com minha tia de consideração, uma senhora de 60 anos e com coração de 15, com as avós e avôs de amigos e do próprio namorado. Além disso, pesquisei sites e fóruns específicos para idosos, para me aprofundar na maneira que eles conversavam e se comportavam não só no ambiente da internet, mas principalmente entre si. Também comecei uma longa pesquisa por perfis no site Amores Possíveis, onde analisei e tracei uma série de características interessantes para compor o meu novo eu virtual.

 

Foi muito simples e rápido, com todos esses dados em mãos, criar a personagem. Seu nome seria Marli, um nome de gente mais velha mas charmoso, um dos sobrenomes e a data de aniversário seria o do meu namorado (outro jeito de fazer uma média e arrancar um pouco de simpatia por essa empreitada). Ela teria 63 anos, assim já entraria na faixa etária considerada idosa, mas também não seria muito velha a ponto de não atrair tantos interessados assim. Seria divorciada, como a maioria dos usuários, beberia  e praticaria esportes ocasionalmente e não fumaria. Características marcantes não só no meu público alvo como em todo os sites em que pesquisei. Teria 70kg distribuídos em 1,63 metro, já que os senhorizinhos que entrevistei disseram não curtir uma mulher muito magra. Além disso ela seria uma típica romântica, gostaria de viajar, assistir filmes, ir ao cinema e seria católica como grande parte da população brasileira.

 

Pronto, Marli Soares teoricamente nasceu em 4 de outubro de 1948, mas na verdade foi criada em 13 de abril de 2011. Com todas suas características traçadas o próximo passo seria, obviamente, entrar no site e criar o perfil, certo? Errado. Pelo menos para mim. Comecei a lidar com diversos dilemas que me deixaram em dúvida se isso era realmente importante e se eu não iria magoar aqueles senhores que estavam ali procurando alguém para preencher um certo vazio em suas vidas. Me perguntava o tempo todo: “Será que estarei sendo realmente desalmada como meu namorado falou?”

 

As questões que me envolveram naquele momento refletiram em alguns acontecimentos no mínimo engraçados. Criei três e-mails diferentes para a Marli no Yahoo. Esqueci o login e a senha de todos os três. Criei seu primeiro perfil no Amores Possíveis, site escolhido por permitir a interação direta entre os usuários e não cobrar por isso, e esqueci tudo mais uma vez. Escolhi a foto de uma mulher e depois morri de medo de que ela me descobrisse. Preferi prevenir e troquei logo por um desenho. Até que tomei a decisão que mudaria de vez os rumos do meu trabalho e resolveria meus problemas. Procurar apoio e discutir com os de amigos que compartilhavam o projeto comigo (além de colocar papel e caneta do lado do computador e anotar de uma vez por todas a porcaria do login e da senha). “Meu nome é Ana Carolina e eu iludo velhinhos na internet.”

Percebi que não estaria sendo cruel se mantivesse relacionamentos curtos, se só me aproximasse o suficiente para conhecê-los e não o suficiente para que se apaixonassem. Que, se mantivesse uma postura séria, sem levar as conversas tanto para o lado emocional, estaria me mantendo em uma zona de conforto que não feriria minhas “cobaias”, mas que também não me feriria como pesquisadora. Enfim, eu estava segura, não me sentia mais uma desalmada e me livrei de quase todos meus dilemas (quase, por que no momento que o deadline esgotou, não tive a cara de pau de dizer adeus aos meus  “namorados” e nem de revelar minha verdadeira identidade).

 

Depois de uma tentativa frustrada no eHarmony decidi me focar no Amores Possíveis. Nele, qualquer um pode se corresponder com você, não importa se ele é assinante premium ou apenas um assinante básico. E você pode fazer o mesmo. Assim, acredito eu, a interação seria mais democrática e simples. Pouco depois percebi que essa decisão seria crucial para o sucesso do trabalho. A faixa etária escolhida para o estudo é, essencialmente, tímida. Esperei que eles viessem até mim nas primeiras duas semanas, mas a frustração foi grande. Embora eu pudesse ver que o perfil teve muitas visitas (parte delas de pessoas bem mais jovens, com idades entre 25 e 45 anos), nenhum dos meus pretendentes tomava a primeira iniciativa. Nesse ponto notei que a escolha pelo Amores Possíveis permitiria que eu tomasse a dianteira e paquerasse os usuários que se encaixassem no perfil que eu procurava. Mas o tempo todo com um pé atrás para não parecer uma senhora assanhada, coisa que todos os meus entrevistados detestavam.

 

Dos 20 beijos e 10 mensagens que enviei no período inicial de busca de pretendentes, fui respondida apenas por dois deles. João*, de 60 anos, morador de São Paulo, aposentado e viúvo, era a imagem perfeita do homem idoso em sites como aquele. Cauteloso ao extremo, romântico inveterado e educado, educado demais. Mandei o primeiro beijo para ele no final de abril. A resposta foi praticamente imediata. Ele aceitava sim conversar comigo e queria manter um relacionamento “com os fins propostos pelo site”, como ele mesmo gostava de enfatizar. Eu prontamente entendi que ele queria uma namorada, mas ao longo do mês que trocamos mensagens (não muitas já que ele demorava para responder, e eu as vezes também) percebi que  queria mais do que isso até, ele queria uma amiga e alguém em quem confiar. Para mim, algo muito maior do que um simples namoro.

 

“Oi MarliFSoares. Não se preocupe com isso, "estamos no mesmo barco". O importante é querer conhecer alguém e com ele manter contato com os fins propostos no Site, desde que se identifique e que se agrade do perfil contactado, por isso, insisti em nosso relacionamento, uma vez que muito me agradou seu beijo enviado e seu perfil lido.”

 

A cada nova mensagem ele se abria um pouco mais, mas se mantinha distante e cuidadoso com a questão do relacionamento virtual. Ele  um apaixonado por poesia e um poeta amador bem interessante, e nossa conversa no início se baseou nisso, afinidades literárias e o passado. Depois de duas semanas de “relacionamento” e cerca de 3 mensagens recebidas e 5 enviadas por mim (Nesse momento eu já estava dando uma de namorada controladora já que ele não me respondia nunca!), passamos a conversar por e-mail. Lá ele continuou com a mesma postura cautelosa, mas começou a criar confiança em mim e se permitir ser mais aberto.

 

“Como toda cidade grande, tumultuada e que nos induz a sermos concentrados nos objetivos, viver em SP consiste, também, na falta de descontração, na carência de lindas paisagens e dos breves momentos em que podemos apreciar a natureza. Mas ainda podemos recorrer a um Céu azul e as nuvens brancas.Tenha algumas restrições desses sites de relacionamento. Pela "facilidade e descompromisso", tanto do site quanto daqueles que se inscrevem, em falsearem os perfis. Como em tudo, temos que considerar o maniqueísmo na internet e sermos sempre cautelosos. Existem hacker's, "pagantes" em sites, que criam perfis femininos para enviar mensagens com link's virais para subtrair "on-line" as informações confidenciais dos pretendentes. Por isso, ao navegar na net, o pc deve conter um bom anti-vírus e evitarmos ao máximo as informações pessoais e comerciais. Nesses sites, fico com a sensação de curso por correspondência. Onde se pode receber o diploma, mas nunca veremos o rosto do professor. rss...Mas há o lado bom! Pessoas do bem e com boas intenções.Ser fã de Drummond e Jorge Amado! Agora quem vai ficar nervoso sou eu! rss... "E agora José?" Talvez seja melhor recorrer aos "Subterrâneos da Liberdade" e ir para o Chile ou entrar na turma dos "Capitães de Areia". Escrevo com "simplicidade" e desejo que meus erros gramaticais não sejam tão graves. Quando postamos na net, sabemos que perdemos os direitos autorais, mas a proposta é sempre levar uma mensagem útil para alguém, não importando quem ou onde esteja. Para não entediar o leitor ou justificar o "interlúdio", vou intercalando músicas nacionais de compositores e intérpretes, que fazem da MPB, uma das melhores do mundo. Não quero ser xenofóbico e sim prudente. As músicas internacionais têm muito rigor nos direitos autorais e poderão encerrar o blogger entre outras demandas. Agradeço a sua presença nos sites. Há muito para melhorar nos textos, mas posso garantir que irá adorar o lado maestro de Jobim.Tenha um dia de sol e muita paz.”

 

João se tornou uma espécie de guia de relacionamentos virtuais para minha personagem (e na verdade para mim também), e procurava o tempo todo me orientar em como conviver naquele meio e perceber o que estava a minha volta. Como dizia ser nova nesse time de usuários, ele me acolheu como uma amiga mesmo. Acho que seu relacionamento com Marli não daria certo de qualquer jeito. Éram muito diferentes.

 

“Uma fugidinha na praia... Ó Céus! Ó Vida!rsss Um privilégio para poucos. Há tempos que não vejo o mar. É naturalmente magnífico! O litoral de SP não tem no relevo as maravilhas do Rio. Poder apreciar a paisagem do corcovado, os contornos das praias, o maracanã minúsculo. Até as mariposas que amanhecem pelo chão são enormes. Atraídas pelos refletores no Cristo Redentor. Tudo muito bonito. Navegar na net nos possibilita conhecer muitas pessoas. Nos sites de relacionamentos como: Orkut, Facebook, Badoo, etc..., em suas comunidades, encontramos pessoas com perfis mais fiéis e com uma amizade sincera. Nas comunidades os relacionamentos são de amigos de amigos, que moram no mesmo bairro ou cidade e se conhecem pessoalmente. Promovem encontros e eventos para aproximarem os amigos de amigos. Nos sites de namoro como o Amores Possíveis, Match.com, Parperfeito, Aondenamoro, entre dezenas de outros, os perfis não são todos confiáveis. São vários detalhes como: omissão de estado civil, cidade onde mora, profissão, número de filhos, fotos atualizadas, etc.., e por não atingirem o objetivo que buscam, não dão preferência por amizades. Retrata bem a realidade em que vivemos e as intenções de cada um. As amizades que conquistei, no decorrer do tempo e tornaram-se muito próximas, são as que conheci no orkut em suas comunidades. São pessoas de vários estados e algumas residentes em outros países e mantenho uma amizade valiosa, pela net, por anos. Mas considero que sempre existirão as pessoas íntegras e que independente dos sites farão uma amizade sincera. Afinal as boas amizades não as encontramos e sim as reconhecemos por suas afinidades. Creio que não devemos nos permitir e ficarmos isolados dessa globalização. Participo de vários sites de proteção aos direitos como: Avaaz, outros de instituições hospitalares apenas para pequenas mensagens aos pacientes de radioterapia. Vale a pena participar mesmo que seja com uma palavra de estímulo e esperança.”

 

Recebi essa última mensagem no dia 13 de maio, deadline da entrega da reportagem. Enviei mais uma mensagem para ele dois dias depois, ele nunca chegou a responder. Eu decidi não procurá-lo mais, de algum modo notei que não daria certo e preferi ser justa com a pessoa que ele foi para mim, não só como personagem para esse trabalho, mas como um amigo com quem tive prazer de trocar algumas mensagens divertidas. No início de junho, ao recolher os últimos dados da pesquisa percebi que o perfil dele havia sido deletado do Amores Possíveis, desse modo perdi todas as suas mensagens enviadas para lá e também seu contato. Fico me perguntando se Marli teve algo a ver com isso.

 

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